A gratidão da macieira e a amnésia do gato
nunca pautaram o curso dos meus dias.
«Fiquem onde estão!»,
foi a minha ordem para a macieira e para o gato,
ainda bem exteriores ao meu fraco por eles.
Salvei-os (e salvei-me!) de uma fábula
cuja moral necessariamente devia ser eu, o parlante
amigo de macieiras e conhecido de gatos.
Dá um certo desconforto malbaratar assim amigos
em dois reinos da natureza.
Mas também dá liberdade.
Há uma gente que desponta do outro lado do vale.
Está a correr para cá.
São os meus semelhantes.
Com eles vou desentender-me (mais que certo!),
mas a ideia que deles faço
é ainda um laço.
Repousem em paz as macieiras e os gatos.
ALEXANDRE O´NEILL (1924 - 1986)
Poesias completas