Estava no comboio pela terceira vez naquela semana. Sem falar a ninguém, sem olhar para ninguém, sem dúvidas, sem destino. Havia conseguido dinheiro para aquela viagem porque aprendera, desde muito pequeno, a explorar as suas capacidades.
Era expressivo quando queria, era amável quando queria e conseguia sempre o que queria,, embora nem sempre soubesse verdadeiramente o que na realidade era.
Estava absorto no comboio, da mesma forma como estava noutro comboio, há algumas horas atrás, talvez setenta e duas horas atrás, talvez umas semanas atrás. Os dias pareciam-lhe todos iguais, todos eles passados a fugir da rotina, o mais rápido que podia, embora, na realidade, não sabendo sempre porque.
As pessoas pareciam-lhe todas iguais, todas entrando na carruagem de modo assertivo, todas fugindo do lugar com os olhos, todas elas pessoas de passagem, sem grande motivo de interesse. Até mesmo quando alguém o abordava, querendo um broche ou uma queca, querendo quebrar a solidão ou partilhar uma garrafinha de vinho, lhe pareciam iguais. E por isso, sentia, indiferentes.
Aprendera, desde pequeno, a mostrar que comunicava bem melhor com um instrumento nas mãos. Nessas alturas, mesmo na saída das estações de comboios mais movimentadas do mundo, sempre fora capaz de tocar as almas de dois ou mais transeuntes. Tornar as pessoas indiferentes mais sensíveis, mais fragilizadas, menos certas de que aquilo que viviam era, na verdade, viver.
(continua na próxima viagem)
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Há 14 anos
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