terça-feira, abril 10, 2007

O pássaro verde

A Páscoa nunca foi, ateisticamente falando, uma época especialmente tocante para mim. Enquanto miúdo ela era sinónimo de viagem, guloseimas e visitação familiar. A de anteontem foi estranha. Explico-me: de há uns tempos para cá, tenho vindo a perder entes queridos de forma surpreendente e fulminante. Esta Páscoa surgiu como altura de reunião, de abraço colectivo mas silencioso, de conversa significativa à beira-mar, de mágoa que teima em não passar. Teve um significado profundo. E isto sim, é estranho.
Estive uns momentos com a minha avó. Contou-me histórias. Belas e estranhas.
A minha avó ficou só no mundo. O meu avô partiu alguns dias antes de fazer anos, 51 anos depois de uma vida comum. O que resta depois disto? A vida, as histórias. Estavamos os dois sentados no sofá, recuperando meses de conversa por dizer, e ela contava-me histórias dos dois. Eu gosto de ouvir histórias, de as imaginar e de as sentir. A minha avó sempre gostou de as contar.
Dizia-me ela que costumava irritar-se com o meu avô por ele nunca estar em casa. Dizia que ia arranjar um periquito verde para lhe fazer companhia, que já não precisava dele para nada. O meu avô ria-se, sem fazer caso. Eu brinquei com ela, dizendo que o pássaro deveria ser vermelho, que o meu avô era benfiquista!
Depois do falecimento do meu avô, estava a minha avó com a minha prima mais pequena e uma amiga num restaurante, à conversa, quando, de repente, ouvem um estrondo na janela. A minha avó olha e fica surpreendida: um periquito verde tinha chocado e permanecido no chão, à espera. Ela foi apanhá-lo. O pássaro deixou-se apanhar.
Perguntou à neta que nome deveria dar ao pássaro. Ela disse o nome completo do meu avô, sem saber nada desta conversa.
Olhei para o pássaro, que estava na sala, a cantar. Quando a minha avó parou de contar a história, ele parou de piar e ficou a olhar para nós.
Serás mesmo tu ali, avô?

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