quarta-feira, setembro 30, 2020

 Existe, por aí, alguém que espera, que aguarda veladamente na escuridão do tempo. De seu próprio tempo. 

Disse alguém como poderia muito bem ter dito algo. Uma entidade. Um medo. Antigo como o tempo.

De todos os dias, a Sexta Feira é aquele que passa mais de fugida e, simultaneamente, mais devagar. Há, no ar, partículas suspensas de tensão e sudação. Nas bocas das pessoas mal se consegue esboçar um bom dia.

As Sextas feiras são senhoras de engarrafamentos e comboios lentos. Contam sempre histórias de encontros fugidios e de palavras mal trocadas. Mostram imagens de olhares de maior desejo mescladas com meigas fiadas de cansaço.

Sonhei sempre muito bem à Sexta, embora nem sempre fosse confortado com a perspetiva de ter, pela frente, dois dias sem fazer muito. A vida é dura, dizem. E sim. A vida assim é mesmo muito dura. Um vida sem sonhos é tortura.

Acho que te conheci a uma Sexta. Desculpa a imprecisão da minha memória. Se assim não foi ao certo, pareceu-me mesmo ter sido nesse dia da semana. Se não foi, dispenso a memória e escolho definitivamente um presente contigo. O presente que és tu!

Há, certamente, um ajuste de contas a fazer com este presente.

Se abrir bem os olhos, verei ao longe uma resposta. Quanto mais longe estiver, mais próxima estará de mim. Ou vice-versa.

Não sei muito bem o que terá acontecido ao rapaz que tocava saxofone que conseguia afugentar todos os gatos das redondezas com os suaves trinados que brotavam da sua música, da senhora da padaria que pintava o cabelo de louro e despachava os clientes com célere simpatia. Nem sequer sei muito bem o que me aconteceu.

Sei que tudo isto se deu a uma Sexta, o meu dia da semana preferido, vá lá. Sei também que nada mudará facilmente, embora nada continue igual.

Uma vida sem sonhos não revela a origem de pastelarias. Sem eles, a vida é uma tortura. Sem eles, tudo não passa de um desenrolar penoso de ordem, disciplina e cansaço. Fatias de cansaço despachadas com celeridade e simpatia.

Assim é a minha vida sem ti. A minha vida sem ti foi o mesmo. Sempre o mesmo.


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